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Supremo volta a julgar marco temporal para terras indígenas

© Marcello Casal JrAgência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta semana o complexo julgamento que definirá a aplicação do marco temporal para a demarcação de terras indígenas no Brasil. A sessão inicial do tribunal será dedicada à fase de sustentações orais das múltiplas partes envolvidas, abrindo espaço para argumentos de representantes indígenas, setores do agronegócio, entidades ambientalistas e órgãos governamentais. A definição da data para a votação dos ministros será estabelecida em um momento posterior, prometendo novos capítulos para uma das questões fundiárias mais polarizadas do país. Esta controvérsia jurídica, que tem raízes profundas na interpretação da Constituição Federal de 1988, é crucial para o futuro dos povos originários e para a segurança jurídica de milhares de propriedades rurais, impactando diretamente a geopolítica do território brasileiro.

O cerne da controvérsia: o marco temporal e seus fundamentos

A tese do marco temporal estabelece que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estavam sob sua posse na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, ou que, nessa época, estivessem em comprovado litígio judicial ou conflito físico. Essa interpretação é baseada em uma leitura específica do artigo 231 da Constituição, que reconhece aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Para os defensores do marco, essa data limite é fundamental para garantir a segurança jurídica sobre as propriedades rurais e evitar a revisão de situações fundiárias consolidadas ao longo de décadas, muitas vezes por meio de títulos de posse e propriedade concedidos pelo próprio Estado.

A interpretação constitucional e a disputa pela posse

No entanto, a argumentação contrária ao marco temporal sustenta que os direitos indígenas sobre suas terras são originários, ou seja, preexistentes à própria formação do Estado brasileiro e, portanto, não poderiam ser limitados por uma data. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e outras entidades representativas argumentam que muitas comunidades foram expulsas de suas terras por violência e grilagem, especialmente durante a ditadura militar, e que impor uma data arbitrária ignoraria essa realidade histórica e a violação contínua de seus direitos. A tese do “indigenato” defende que a posse indígena não é derivada de um título estatal, mas sim do fato de sua ocupação tradicional, sendo o papel do Estado apenas o de demarcar e proteger essas áreas. O Supremo já havia, em 2023, considerado o marco temporal inconstitucional no julgamento de repercussão geral, mas a instabilidade jurídica e política manteve o tema em aberto, com novas ações e desdobramentos legislativos que forçaram o retorno do tema à pauta da Corte. A complexidade do debate reside na conciliação dos direitos territoriais indígenas, que têm um caráter histórico e cultural intrínseco, com os direitos de propriedade de não-indígenas, muitos dos quais estabeleceram-se em terras sem conhecimento prévio de uma reivindicação indígena ou mediante incentivo governamental.

A espiral legislativa e a judicialização contínua

O debate sobre o marco temporal transcendeu as fronteiras do Supremo Tribunal Federal, envolvendo intensamente o Poder Legislativo e o Executivo. Após a decisão inicial do STF em 2023, que declarou a tese inconstitucional, o Congresso Nacional, por meio de um projeto de lei, buscou validar a regra. Essa iniciativa legislativa gerou forte reação e o projeto de lei foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que alinhou-se à posição das entidades indígenas e de parte da comunidade internacional em defesa dos direitos dos povos originários. O veto presidencial, contudo, não foi mantido. Parlamentares de partidos de centro e direita, aliados a setores do agronegócio, conseguiram derrubar o veto de Lula, reativando a validade do projeto de lei que reconhecia a tese do marco temporal. Essa derrubada gerou um novo cenário de incertezas e motivou uma nova onda de ações no judiciário.

Do veto presidencial à derrubada no congresso e os novos recursos

A derrubada do veto presidencial restabeleceu o entendimento de que os indígenas somente teriam direito às terras que estivessem em sua posse na data da promulgação da Constituição Federal, ou que estivessem em disputa judicial na época. Diante desse revés legislativo, partidos políticos como o PL, PP e Republicanos protocolaram no STF novas ações, buscando garantir a validade do projeto de lei que reconheceu a tese do marco temporal. Paralelamente, entidades que representam os povos indígenas, como a Apib, e partidos governistas também recorreram ao Supremo, contestando novamente a constitucionalidade da tese e buscando reverter a decisão do Congresso.

Antes de retomar o julgamento, o STF, por iniciativa do ministro Gilmar Mendes, relator de algumas das ações, buscou uma saída conciliatória. Uma comissão de conciliação foi criada, com diversas audiências realizadas para tentar mediar o conflito entre as partes envolvidas. No entanto, essa tentativa não obteve sucesso completo. A Articulação dos Povos Indígenas (Apib), a principal entidade na defesa dos indígenas, decidiu se retirar das negociações, alegando falta de paridade no debate e a ausência de condições para um diálogo equitativo. A decisão da Apib sublinha a profunda desconfiança e a polarização que cercam a questão, evidenciando que a resolução do impasse provavelmente terá que vir de uma decisão impositiva do próprio Supremo Tribunal Federal.

Impactos e perspectivas futuras do julgamento

A retomada do julgamento do marco temporal no STF representa um momento de extrema importância para o Brasil, com implicações que se estendem muito além das fronteiras jurídicas. A decisão da Corte terá um impacto profundo na vida de milhões de pessoas, moldando o futuro das comunidades indígenas, das relações fundiárias, da política ambiental e do desenvolvimento econômico do país. Uma validação do marco temporal pode significar a inviabilização de novas demarcações e a redução de territórios já reivindicados, gerando um aumento da violência no campo e do desmatamento em áreas vulneráveis. Por outro lado, a rejeição definitiva do marco reforçaria os direitos originários dos povos indígenas, garantindo a proteção de seus modos de vida e a conservação de vastas áreas de biodiversidade, mas também poderia gerar tensões com o setor do agronegócio e proprietários rurais que se sentem prejudicados. O desfecho desse julgamento não apenas definirá o destino das terras indígenas, mas também enviará um sinal claro sobre o compromisso do Brasil com seus povos originários e com as convenções internacionais de direitos humanos das quais é signatário.

Perguntas frequentes

O que é o marco temporal para demarcação de terras indígenas?
É uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse ou em disputa judicial na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Qual foi a decisão anterior do STF sobre o marco temporal?
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal considerou a tese do marco temporal inconstitucional em um julgamento de repercussão geral, mas o tema foi posteriormente reaberto devido a desdobramentos legislativos e novas ações.

Por que o Congresso Nacional se envolveu na questão?
Após a decisão do STF de 2023, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que validava o marco temporal. Embora vetado pelo presidente, o veto foi derrubado pelos parlamentares, restabelecendo a validade da tese em nível legislativo.

Por que a Articulação dos Povos Indígenas (Apib) se retirou da conciliação no STF?
A Apib decidiu se retirar das negociações de conciliação convocadas pelo ministro Gilmar Mendes por entender que não havia paridade no debate, o que inviabilizava um diálogo justo e equitativo.

Mantenha-se informado sobre os desdobramentos deste julgamento histórico, que redefine os direitos e o futuro dos povos indígenas no Brasil.

Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br

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