Search

Indígenas mobilizam-se nacionalmente contra o marco temporal

© Maiara Dourado/Cimi/Divulgação

Em um ato de defesa contundente de seus direitos ancestrais, povos indígenas de diversas regiões do Brasil intensificaram nesta semana uma ampla mobilização contra o chamado marco temporal. Essa tese jurídica, atualmente em debate tanto na Câmara dos Deputados quanto no Supremo Tribunal Federal (STF), postula que os povos originários teriam direito apenas às terras que ocupavam em 1988, ano da promulgação da Constituição Federal. Indígenas e seus aliados contestam veementemente essa premissa, argumentando que ela desconsidera séculos de ocupação e uma história de esbulho territorial. As manifestações, que ocorreram em Brasília, rodovias estratégicas, territórios indígenas e nas redes sociais, visam pressionar as autoridades para que rejeitem essa interpretação. A luta contra o marco temporal é vista como crucial para a proteção ambiental, a democracia e o futuro do país.

Mobilização nacional em defesa da ancestralidade

Protestos e reivindicações em diversas regiões
Movidos pelo princípio de que “nosso marco é ancestral”, os povos indígenas organizaram atos coordenados em diversas frentes. Em Brasília, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) liderou protestos em frente aos edifícios do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, além de se reunir com parlamentares para discutir as recentes decisões sobre os direitos territoriais. A Apib ressalta que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 48/2023, que busca estabelecer o marco temporal, transcende um ataque apenas aos povos originários, configurando-se como uma perda inestimável para toda a nação brasileira, com impactos ambientais, perda de credibilidade internacional e ameaça aos compromissos constitucionais com a dignidade humana.

A mobilização estendeu-se para além da capital federal. No estado de Roraima, o Movimento Indígena da região manteve uma vigília de uma semana na BR-174, exigindo respeito aos direitos e ao modo de vida ancestral. Ernestina Macuxi, professora indígena do movimento, expressou gratidão pelos votos contrários ao marco no STF, mas também tristeza pelos “incisos abertos” que, segundo ela, “fortalecem os grandes empresários, aqueles que destroem o nosso território com mineração, hidrelétricas, arrendamento de terra”. Ela enfatiza: “Nossa terra não é objeto de negócio”.

No Espírito Santo, em Aracruz, indígenas Guarani bloquearam um trecho da rodovia ES-010, manifestando-se contra o que descrevem como um “avanço da agenda anti-indígena no Congresso Nacional”. O líder Marcelo Guarani classificou o projeto de lei como “um absurdo” e um “crime” contra os povos, a natureza e a vida. “Crianças, idosos e famílias vieram até a estrada para protestar. Como qualquer família que luta pelos seus”, declarou ele.

Na Bahia, em Barra Velha de Monte Pascoal, a anciã Maria Coruja Pataxó fez um chamado à resistência. “Eles querem tomar a terra. Mas a terra é do indígena. Eles devem respeitar a nossa terra. Respeite os direitos dos indígenas. Somos os primeiros brasileiros. Quando Cabral chegou aqui, os indígenas já estavam aqui”, afirmou, complementando com a crença de que os povos originários sabem como cuidar da floresta, diferentemente de outros.

Do Oeste do Pará, Auricélia Arapium, uma voz ativa na luta, alertou para as ameaças à vida que os povos originários enfrentam, denominando a PEC como “PEC da Morte”. Ela reforçou o compromisso de manter a mobilização “pela vida dos povos indígenas e pela proteção dos nossos territórios”. No Sul do Brasil, Édina Mig Fe Kanhgág, comunicadora da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), criticou as propostas legislativas, caracterizando-as como promotoras de um genocídio cultural e histórico. “Lei que ignora a memória, a ancestralidade e a presença dos povos indígenas, transformando uma data em um instrumento de apagamento. Como se a nossa história começasse quando o estado decidiu olhar para ela. Nós já estávamos aqui antes de 1988”, pontuou.

O clamor dos líderes indígenas
A força da mobilização reside nas vozes de seus líderes. Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, ressaltou a interconexão da causa: “Defender os direitos territoriais indígenas é defender o meio ambiente, a democracia e o futuro do país. Enfraquecer esses direitos é enfraquecer a capacidade do Brasil de enfrentar a crise climática e existir como um território sustentável”.

O renomado Cacique Raoni Metuktire, mais conhecido como Cacique Raoni, fez um apelo direto às autoridades políticas pelas redes sociais. “Senhores senadores e deputados, me escutem. Estou sabendo que vocês querem estabelecer o marco temporal, e eu não estou gostando disso. Vocês não nos consultam. Povos indígenas, vamos nos unir. Vamos falar que este território é nosso, dos nossos ancestrais. Vamos enfrentar com a nossa palavra e defender o que ainda resta”, declarou o líder Kayapó, cujo impacto internacional amplifica a mensagem.

As declarações unânimes dos líderes indígenas reforçam a ideia de que o marco temporal é uma afronta à sua existência, à sua cultura e ao seu futuro, bem como um retrocesso para o Brasil em sua totalidade.

O debate jurídico e político em torno do marco temporal

O placar no Supremo Tribunal Federal e a tramitação legislativa
A tese do marco temporal tem sido objeto de intenso e complexo debate nos mais altos escalões do poder judiciário e legislativo brasileiro. Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal já havia declarado a inconstitucionalidade do marco temporal. Contudo, em uma resposta legislativa, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701/2023, que institucionaliza essa mesma tese. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou parte da lei, mas os parlamentares, por sua vez, derrubaram o veto presidencial, reacendendo a controvérsia.

Em 2024, o STF iniciou um novo julgamento sobre a constitucionalidade da Lei 14.701/2023. Uma comissão de conciliação foi criada no contexto desses debates, mas foi denunciada pela Apib como uma tentativa de negociar direitos fundamentais, o que levou a organização a se retirar da comissão. Recentemente, os ministros do STF retomaram o julgamento do marco temporal em plenário. Até o momento, o placar está em 3 votos a 0 contra a tese, com os ministros Gilmar Mendes, Flávio Dino e Cristiano Zanin manifestando-se contrariamente. Sete votos ainda precisam ser proferidos para a finalização do julgamento.

Paralelamente ao processo no Supremo, o Senado Federal aprovou na semana passada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/23, que visa inserir a tese do marco temporal diretamente na Carta Magna. A expectativa é que a Câmara dos Deputados delibere sobre o tema ainda nesta semana, adicionando mais um capítulo à já longa e disputada saga jurídica e política.

Consequências e a visão da Apib
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e seus aliados argumentam que a aprovação do marco temporal traria consequências catastróficas. Além de ser um retrocesso ambiental significativo, a tese prejudicaria a credibilidade internacional do Brasil e ameaçaria o compromisso constitucional com a dignidade humana dos povos originários. A fragilização dos direitos territoriais indígenas é vista como um enfraquecimento da capacidade do país de combater a crise climática e de manter um território sustentável. A visão compartilhada é de que ignorar a ancestralidade e a presença histórica dos povos indígenas, condicionando seus direitos a uma data específica, seria um ato de apagamento de sua memória e cultura, desconsiderando um contexto histórico, muitas vezes violento e sangrento, de ocupação e resistência.

Um futuro em disputa: a resistência indígena e o marco temporal

A mobilização em massa dos povos indígenas em todo o Brasil sublinha a urgência e a gravidade da questão do marco temporal. A batalha, travada tanto nas ruas e rodovias quanto nos plenários do Judiciário e do Legislativo, reflete uma profunda defesa não apenas de terras, mas de identidades, culturas e do próprio futuro do planeta. A resistência indígena, embasada na força ancestral, persiste em um cenário jurídico e político volátil, determinando o rumo dos direitos dos povos originários e o papel do Brasil na proteção ambiental e na garantia da dignidade humana.

Perguntas frequentes sobre o marco temporal

O que é o marco temporal?
É uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estavam sob sua posse ou em disputa judicial comprovada na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Por que os povos indígenas se opõem ao marco temporal?
Os povos indígenas e seus aliados argumentam que essa tese desconsidera séculos de ocupação tradicional e as expulsões forçadas sofridas antes de 1988. Eles veem o marco temporal como um mecanismo que legitima invasões e violências históricas, ameaçando sua existência, cultura e o meio ambiente.

Qual o status atual do marco temporal nos poderes Judiciário e Legislativo?
O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou pela inconstitucionalidade do marco temporal em um caso específico em 2023 e está em novo julgamento da Lei 14.701/2023, com placar atual de 3 a 0 contra a tese. Paralelamente, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701/2023 (derrubando veto presidencial) e o Senado Federal aprovou a PEC 48/23, que busca inserir a tese na Constituição. O tema segue em debate e votação em ambas as esferas.

Para aprofundar seu conhecimento sobre os direitos dos povos indígenas e acompanhar as últimas atualizações sobre o marco temporal, mantenha-se informado através de veículos de imprensa confiáveis e organizações de defesa dos direitos humanos.

Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br

Mais recentes

Rolar para cima